Regime jurídico dos empréstimos participativos
Tema em foco 25 Janeiro 2022
Decreto-Lei n.º 11/2022, de 12 de janeiro
O presente decreto-lei estabelece o regime jurídico dos empréstimos participativos.
O primeiro aspeto relevante do regime será a definição de empréstimo participativo, que é um contrato de crédito oneroso, sob a forma de mútuo ou sob a forma de títulos representativos de dívida, cuja remuneração e reembolso ou amortização dependem, ainda que parcialmente, do resultado da atividade do mutuário e cujo valor em dívida pode ser convertido em capital social do mutuário.
Estes empréstimos serão considerados capital próprio para efeitos da legislação comercial sempre que a respetiva remuneração dependa dos resultados do mutuário e o respetivo reembolso ou amortização dependa do cumprimento dos critérios previstos nos artigos 32.º e 33.º do Código das Sociedades Comerciais.
O contrato de empréstimo participativo deve mencionar expressamente a sujeição ao regime jurídico do presente diploma.
Apenas podem conceder empréstimos participativos ou subscrever títulos representativos de dívida emitidos ao abrigo do presente decreto-lei:
- Instituições de crédito e sociedades financeiras;
- Organismos de investimento alternativo especializado de créditos, de capital de risco e de empreendedorismo social;
- Sociedades de investimento mobiliário para fomento da economia;
- O Fundo de Capitalização e Resiliência;
- Outras entidades que estejam habilitadas à concessão de crédito a título profissional.
Os mutuários neste tipo de contrato são as sociedades comerciais do setor não financeiro.
Estes empréstimos, quando são feitos sob a forma de mútuo, são celebrados por escrito e quando são realizados através de emissão de títulos representativos de dívida seguem o regime aplicável à emissão de valores mobiliários.
A sua contratação, seja qual for a forma, depende de deliberação prévia, expressa e favorável da assembleia geral do mutuário. Esta exigência não se aplica durante a pendência de qualquer processo de reestruturação de empresas previsto no CIRE.
A finalidade dos empréstimos participativos é fixada no contrato ou nas condições de emissão dos títulos representativos de dívida e pode consistir, entre outras, no financiamento de investimentos, no reforço de fundo de maneio ou reembolso de dívida anterior.
Os créditos emergentes dos contratos de empréstimo participativo podem ser cedidos a terceiros, inclusive a sociedades de titularização de crédito, com observância dos limites legais e contratuais aplicáveis.
Na hipótese de insolvência do mutuário, os empréstimos em causa consideram-se créditos subordinados, graduados acima dos créditos dos sócios e de outras pessoas especialmente relacionadas com o devedor.
Este tipo de empréstimo é oneroso e a remuneração é exclusiva ou parcialmente indexada a uma participação nos resultados do mutuário fixada pelas partes no contrato. Esta participação pode consistir numa percentagem fixa ou crescente daqueles resultados ou ser proporcional ao peso do valor nominal do empréstimo participativo no capital próprio do mutuário e pode ser aferida através de qualquer indicador financeiro previsto na demonstração de resultados da empresa, que reflita a evolução da sua situação financeira, acordado pelas partes no contrato ou nas condições de emissão dos títulos representativos de dívida.
Esta remuneração pode ainda ter uma componente adicional de taxa de juro, devida nos termos definidos no contrato, de forma independente dos resultados do mutuário.
O mutuário procede ao pagamento da remuneração caso aufira resultados distribuíveis. Caso não proceda a esse pagamento, o mutuante adquire o direito a acionar as garantias prestadas para assegurar o empréstimo ou a converter o mesmo em capital social. Não tem aqui aplicação o artigo 322.º do Código das Sociedades Comerciais.
As partes podem estabelecer no contrato ou nas condições de emissão que o pagamento em causa pode ser precedido de deliberação prévia da assembleia geral do mutuário.
O mutuário deve providenciar ao mutuante a informação necessária ao apuramento da respetiva remuneração (como a demonstração de resultados).
O mutuante pode exigir uma auditoria realizada por auditor externo independente à situação financeira do mutuário sempre que tenha dúvidas quanto à informação prestada pelo mutuário.
O mutuário pode proceder ao reembolso do empréstimo participativo ou à amortização dos títulos representativos de dívida, a todo o tempo, pelo valor nominal, ao qual acrescerá a remuneração fixada e não paga, e a que se venceria até ao início do trimestre em que ocorra o reembolso, tomando por referência as respetivas demonstrações financeiras que permitam apurar os resultados.
Este reembolso pode ser solicitado, parcial ou totalmente, pelo mutuante, desde que tal esteja contratualmente previsto ou conste das condições de emissão. As partes podem convencionar no contrato de empréstimo a existência de um período de carência.
O reembolso só pode ser realizado com fundos que possam ser distribuídos aos sócios.
As partes podem convencionar a possibilidade de o pagamento em causa ser precedido de deliberação prévia da assembleia geral do mutuário.
Não há lugar ao pagamento ou reembolso quando o capital próprio do mutuário seja ou se tornasse, em virtude do pagamento, inferior à soma do capital social e das reservas ou quando os lucros do exercício sejam necessários para cobrir prejuízos transitados ou para formar ou reconstruir reservas impostas por lei ou pelo contrato de sociedade.
Quando haja uma taxa de juro associada pode ser estipulado, em relação a essa componente de juros, que estes são capitalizados, sendo apurados anualmente e em função dos resultados e a sua responsabilidade registada contabilisticamente anualmente para pagamento no futuro, que os juros do empréstimo apenas são pagos no momento do reembolso do capital, na data de vencimento prevista no contrato e que o valor global do contrato tem uma Taxa Interna de Rentabilidade mínima para o mutuante.
Enquanto vigorar o contrato de empréstimo participativo ou os títulos representativos de dívida não forem amortizados, e salvo autorização expressa do mutuante, é vedado ao mutuário alterar as condições de repartição de lucro fixadas no contrato de sociedade, atribuir privilégios às participações sociais existentes, reembolsar suprimentos, prestações acessórias ou suplementares, amortizar participações sociais ou deliberar a redução do seu capital. Esta proibição de redução do capital social abrange o capital social, eventuais ações próprias e outros instrumentos de capital próprio e prémios de emissão.
O mutuante pode converter o empréstimo participativo ou os títulos representativos de dívida em capital social:
- Caso o reembolso não tenha ocorrido na totalidade, por não se verificarem as condições referidas nos artigos 10.º e 11.º, decorrido o prazo de reembolso fixado pelas partes no contrato ou nas condições de emissão dos títulos representativos de dívida;
- Caso o mutuário não haja pago a remuneração devida durante mais de 12 (doze) meses, seguidos ou interpolados, em determinado período fixado no contrato ou nas condições de emissão dos títulos representativos de dívida.
- Caso o órgão de administração do mutuário não apresente ao mutuante comprovativo da aprovação de contas e depósito na Conservatória do Registo Comercial decorridos 12 (doze) meses sobre o prazo legal para o efeito;
- Outras situações fixadas no contrato.
Quando algum destes requisitos se verifique, o mutuante pode apresentar proposta de conversão em capital social do empréstimo participativo ao mutuário, acompanhado de relatório elaborado por revisor oficial de contas.
A proposta referida deve descrever o conteúdo concreto da operação, prever a redução do capital social do mutuário e respetiva justificação, prever o montante do aumento do capital social a subscrever pelo mutuante, mediante a conversão do empréstimo participativo ou dos títulos representativos de dívida de que seja titular em participações sociais, bem como a fundamentação do rácio de conversão do empréstimo em capital social e incluir um projeto de alteração dos estatutos da sociedade, podendo prever a transformação da sociedade noutra de tipo distinto, bem como a exclusão de todos os sócios, desde que as participações sejam destituídas de qualquer valor.
Em alternativa, se tal for permitido pelo contrato de sociedade do mutuário ou autorizado nos termos do disposto no artigo 366.º do Código das Sociedades Comerciais, o mutuante e o mutuário podem estabelecer no contrato que o mutuante tem um direito potestativo à conversão do empréstimo participativo em capital social do mutuário, nas circunstâncias e nos termos definidos expressamente pelas partes, não se aplicando, nesses casos, o previsto nos artigos 15.º a 20.º do presente diploma.
Quando o mutuário seja uma micro ou pequena empresa, os custos incorridos com o relatório elaborado por revisor oficial de contas são da responsabilidade do mutuante.
O aumento de capital social do mutuário pode ser precedido de redução prévia do capital social para cobertura de prejuízos, incluindo para zero ou outro montante inferior ao mínimo estabelecido na lei para o respetivo tipo de sociedade, por iniciativa do mutuante, caso seja de presumir que, em caso de liquidação integral do património da sociedade, não subsistiria qualquer remanescente a distribuir pelos sócios. Neste caso, os créditos dos sócios ou acionistas originais devem ser convertidos em capital antes do aumento de capital social.
Quando o mutuante pretender que haja uma redução prévia do capital social do mutuário, inclui esse elemento e a respetiva justificação na proposta de conversão do empréstimo participativo em capital social e, quando aplicável, o relatório do revisor oficial de contas que acompanha a proposta de conversão do empréstimo participativo em capital social demonstra a verificação do requisito do artigo 16.º para a redução prévia do capital social.
O órgão de administração do mutuário tem o dever de prestar ao mutuante a informação por este solicitada com vista à elaboração da proposta de conversão em capital social.
Se esta informação não for prestada no prazo de 10 (dez) dias a contar da data em que seja solicitada, o valor da participação é aferido pelo revisor oficial de contas, em função das últimas contas aprovadas, ou outro valor, determinado pelo revisor oficial de contas, atendendo à informação que tem disponível sobre o mutuário, quando o ROC considere que o valor da participação aferido em função das últimas contas aprovadas não se revela apropriado.
Uma vez recebida pelo mutuário a proposta de conversão em capital social, deve ser imediatamente convocada uma assembleia geral do mutuário, a qual tem lugar no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da data de receção da proposta, com o objetivo de aprovar ou recusar as deliberações nela referidas.
Sem prejuízo do disposto no contrato de empréstimo participativo a propósito das consequências de uma deliberação da assembleia geral de recusa das deliberações referidas na proposta, presume-se a respetiva aprovação.
Os sócios ou acionistas do mutuário gozam sempre de preferência no aumento de capital. Nesse caso, o aumento deve ser realizado em dinheiro, que é obrigatoriamente aplicado na amortização dos créditos que, de outra forma, seriam convertidos em capital social.
Em caso de não exercício do direito de preferência por qualquer sócio ou acionista, podem os preferentes subscrever a parte de capital que caberia aos demais, na proporção das suas ações.
Caso não haja intenções de subscrição correspondentes à totalidade das novas entradas, o valor das entradas em dinheiro que sejam efetivamente realizadas é aplicado na amortização dos créditos que não sejam convertidos em capital, proporcionalmente ao montante dos mesmos e com respeito pela prioridade que lhes caiba.
A conversão em capital reduz proporcionalmente as participações dos titulares de participação social no capital social do mutuário que não tenham previamente participado no seu aumento de capital.
A participação no capital social do mutuário decorrente da conversão do empréstimo participativo é proporcional ao valor do empréstimo não pago, acrescido do valor nominal das remunerações que não hajam sido pagas, relativamente ao capital próprio do mutuário nas últimas contas aprovadas, o qual deve incluir, para efeitos deste cálculo, o valor total dos empréstimos participativos contraídos.
Após o aumento de capital social, o capital próprio do mutuário tem de ser superior ao valor do capital social à data da proposta de conversão em capital social.
A leitura deste resumo não dispensa a consulta e leitura do diploma legal em causa no Diário da República.